Livro "Sketching Alentejo"
Desenhos: Luís Ançã | Introdução: Ana Paula Amendoeira
Desenhos: Luís Ançã | Introdução: Ana Paula Amendoeira
Sketching Alentejo – Uma certa maneira de olhar
Em Portugal, há duas coisas grandes, pela força e pelo tamanho: Trás-os-Montes e o Alentejo. Trás-os-Montes é o ímpeto, a convulsão; o Alentejo, o fôlego, a extensão do alento (…) tem uma serenidade mais criadora (…) Nenhum limite no espaço e no tempo. Seja qual for o ponto cardeal que escolha a inquietação, terá sempre o infinito diante de si, em pousio para qualquer sementeira. E essa eterna pureza e disponibilidade (…) exaltam o ânimo do possuidor.
Miguel Torga, Portugal, 1950
Recupero a síntese notável de Miguel Torga, um dos nossos escritores maiores, que sentiu fortemente (provavelmente porque era transmontano…) a grandeza do Alentejo, para introduzir umas breves notas sobre este revelador e original trabalho de Luís Ançã, “Sketching Alentejo”.
Só desenha quem observa, quem percorre, quem olha e vê, quem tem tempo.
Se há região que transpira tempo é este terço de Portugal que desde a Idade Média chamamos Alentejo. Tempo histórico, tempo cíclico, tempo social e cultural, tempo mágico e religioso…tempos. E se há região que transpira espaço, lonjura…espaços, grandes espaços…
Não que as outras regiões não tenham ou possam ter exactamente os mesmos tempos, mas o espaço, o território, a paisagem no Alentejo, a luz do Sul, as arquitecturas, a sua geografia particular convidam luminosamente para o usufruto desse(s) tempo(s) e conformam-no(s) no espaço que lhe dá um sentido, para muitos estético ou até poético. Essa síntese forte e equilibrada entre os vários tempos e um espaço transformado em paisagem longa e lenta, dão ao autor a possibilidade infinita de interacção maior com a terra. Provocam-no e atraem-lhe a crónica visual, o registo do traço, a ferroada no quotidiano, o colapso de momentos observados e muitas vezes também vividos.
Luís Ançã apresenta-nos estes trabalhos sob um título onde vislumbramos imediatamente um Gerúndio, o tempo do Alentejo por excelência!
Ir fazendo, algo que se inscreve numa cadência que permite a observação, olhar e ver. Desenhando o Alentejo…olhando e vendo momentos é o que esta exposição nos transmite num trilho aparentemente espontâneo. Eu vejo no entanto uma ordem, ainda que inconsciente, neste “cronicando” alentejano.
Tudo o que é essencial no Alentejo aqui está em pequenas crónicas (visuais) que só quem conhece tão bem esta linguagem pode fazer…
As cidades,
a cidade alentejana por excelência, a modestamente monumental e deslumbrante Évora;
As praças,
as praças das terras alentejanas e a vida que encerram, elemento da sabedoria milenar do urbanismo do Sul;
As pedras,
as pedras mais matriciais das nossas visões mágicas do mundo, as pedras mágicas do megalitismo…
O mercado,
traço definidor da cidade nas culturas mediterrânicas;
As ermidas,
ermidas no meio do campo, âncoras da fé e dos percursos mágicos que moldam um território religioso, desde sempre, e cristianizado desde há séculos;
As matanças do porco,
os rituais de convívio e alimentação festiva e tudo o que a seu pretexto acontece;
A terra de largos horizontes,
a paisagem do longe e da profundidade
Tudo isto está condensado nestes trabalhos, aparentemente aleatórios, aparentemente sem ordem...
Esta é uma maneira antiga, e não velha, de valorizar o olhar que cada vez nos é mais necessária: não são imagens, ou notas, que se tomam, talvez à pressa, para depois aperfeiçoar, completar, no estúdio, no atelier ou no escritório.
São desenhos, feitos com tempo, por quem sabe que tem tempo, por quem sabe o que é ter tempo para usufruir dos momentos, nos lugares, do princípio ao fim.
Há lá crónica mais alentejana do que esta e domínio mais perfeito de uma desconcertante linguagem ao mesmo tempo imediata e demorada, impressionista e fiel, esquemática e reveladora?
O resultado? Excelente!
Ana Paula Amendoeira
Reguengos de Monsaraz, 1 de Março de 2012
Miguel Torga, Portugal, 1950
Recupero a síntese notável de Miguel Torga, um dos nossos escritores maiores, que sentiu fortemente (provavelmente porque era transmontano…) a grandeza do Alentejo, para introduzir umas breves notas sobre este revelador e original trabalho de Luís Ançã, “Sketching Alentejo”.
Só desenha quem observa, quem percorre, quem olha e vê, quem tem tempo.
Se há região que transpira tempo é este terço de Portugal que desde a Idade Média chamamos Alentejo. Tempo histórico, tempo cíclico, tempo social e cultural, tempo mágico e religioso…tempos. E se há região que transpira espaço, lonjura…espaços, grandes espaços…
Não que as outras regiões não tenham ou possam ter exactamente os mesmos tempos, mas o espaço, o território, a paisagem no Alentejo, a luz do Sul, as arquitecturas, a sua geografia particular convidam luminosamente para o usufruto desse(s) tempo(s) e conformam-no(s) no espaço que lhe dá um sentido, para muitos estético ou até poético. Essa síntese forte e equilibrada entre os vários tempos e um espaço transformado em paisagem longa e lenta, dão ao autor a possibilidade infinita de interacção maior com a terra. Provocam-no e atraem-lhe a crónica visual, o registo do traço, a ferroada no quotidiano, o colapso de momentos observados e muitas vezes também vividos.
Luís Ançã apresenta-nos estes trabalhos sob um título onde vislumbramos imediatamente um Gerúndio, o tempo do Alentejo por excelência!
Ir fazendo, algo que se inscreve numa cadência que permite a observação, olhar e ver. Desenhando o Alentejo…olhando e vendo momentos é o que esta exposição nos transmite num trilho aparentemente espontâneo. Eu vejo no entanto uma ordem, ainda que inconsciente, neste “cronicando” alentejano.
Tudo o que é essencial no Alentejo aqui está em pequenas crónicas (visuais) que só quem conhece tão bem esta linguagem pode fazer…
As cidades,
a cidade alentejana por excelência, a modestamente monumental e deslumbrante Évora;
As praças,
as praças das terras alentejanas e a vida que encerram, elemento da sabedoria milenar do urbanismo do Sul;
As pedras,
as pedras mais matriciais das nossas visões mágicas do mundo, as pedras mágicas do megalitismo…
O mercado,
traço definidor da cidade nas culturas mediterrânicas;
As ermidas,
ermidas no meio do campo, âncoras da fé e dos percursos mágicos que moldam um território religioso, desde sempre, e cristianizado desde há séculos;
As matanças do porco,
os rituais de convívio e alimentação festiva e tudo o que a seu pretexto acontece;
A terra de largos horizontes,
a paisagem do longe e da profundidade
Tudo isto está condensado nestes trabalhos, aparentemente aleatórios, aparentemente sem ordem...
Esta é uma maneira antiga, e não velha, de valorizar o olhar que cada vez nos é mais necessária: não são imagens, ou notas, que se tomam, talvez à pressa, para depois aperfeiçoar, completar, no estúdio, no atelier ou no escritório.
São desenhos, feitos com tempo, por quem sabe que tem tempo, por quem sabe o que é ter tempo para usufruir dos momentos, nos lugares, do princípio ao fim.
Há lá crónica mais alentejana do que esta e domínio mais perfeito de uma desconcertante linguagem ao mesmo tempo imediata e demorada, impressionista e fiel, esquemática e reveladora?
O resultado? Excelente!
Ana Paula Amendoeira
Reguengos de Monsaraz, 1 de Março de 2012